quinta-feira, 7 de agosto de 2014

QUEM TE VIU, QUEM TE VÊ



Conheci João Carlos Castanha no século passado, no tempo em que ele era do " Ói nóis aqui traveiz ", num teatro de pedras brancas, nos baixos ( bem baixos ) da Ramiro Barcellos. De cara dava para ver que ali existia um artista diferente. Com características e sutilezas muito prórprias. Tinha um modo desarranjado de interpretar, um maneira tosca, quase visceral, sem nenhuma técnica, mas uma entrega inigualável. Me apaixonei no primeiro momento. Vera Karam e eu adorávamos acompanhar seus passos.

Muito tempo depois tive a honra de dividir dois trabalhos com ele. " A aurora da minha vida ", peça que foi demais importante para nós dois, tenho certeza, tanto para o bem quanto para o mal. Saímos juntos, com Pedro Santos, para filmar " Sonho sem fim ", uma das melhores coisas que me aconteceu na vida, e convivi dois meses com este ser iluminado não se sabe por quem, as vezes por Deus, as vezes por aquela outra pessoa.

Em muito pouco tempo Castanha tornou-se o bobo da corte da equipe ( na acepção mais carinhosa que esta palavra contém ), com sua alegria e sua inteligência. Ficávamos horas esperando por ele no café da manhã no hotel , apenas porque sabiámos que alguma ele tinha preparado, e esta alegria ia até às madrugadas frias de Pelotas, onde vi verdadeiros astros babarem, tornando-se tietes dele em shows que fazia nas boates gays da cidade.

Tínhamos a mesma camareira, uma senhora japonesa miúdinha, chamada Mariko, que nos adotou e tornou-se minha babá e de Castanha, e de quem ele dava sonoras gargalhadas. Esta característica de Castanha é inimitável: debocha de tudo e de todos, inclusive dos amigos, e o que em outros pareceria agressivo, nele é um ato de amor.

Enfim tornou-se um grande ator. Uma das coisas mais genais que já vi em minha vida ( inclusive em espetáculos no exterior ) é uma cena em um dos seus espetáculos em que dublando Celine Dion, com a música do Titanic ele, à medida que a musica ia se desenvolvendo, tirava peixes vivos do lindo vestido de gala, que jogava para a platéia. Antológico em seu total despudor de expor-se daquela maneira. Único.

É por isso que vejo com grande alegria e até certo orgulho, já que a paixão por Elis aproximou-nos definitivamente, o total reconhecimento, atrasado mas não tardio, do trabalho de Castanha. A platéia de seu espetáculo " Até o fim " é constituída de todas as tribos. De jovens a senhores encanecidos. De damas da sociedade à damas das calçadas. De atores com métodos tradicionais à mambembes de rua. Cabeças coroadas como diria o outro. Todos aplaudem freneticamente ele metamorfosear-se diariamente em outros seres. João Carlos Castanha é o camaleão do teatro gaúcho e seguramente, a partir de agora, do Mundo.

Na verdade, Castanha consegue ser o Pierrot, o Arlequim e a Colombina deste louco e maravilhoso carnaval que é a vida e a arte. E, com seu imenso talento, transforma-nos em personagens da canção de Chico: quando ele samba na pista, batemos palma com vontade e fazemos de conta que somos turistas.

Texto carinhoso de meu amigo e colega Zeca Kiechaloski... Obrigado meu amado!

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